Nesta publicação trago uma reflexão surgida em rede social a partir de uma publicação do perfil @educacaonaoviolenta, acerca de uma das ferramentas da Disciplina Positiva alternativas ao castigo punitivo. Trata-se de perder o privilégio. A psicopedagoga Thais Basile publicou a seguinte chamada, acerca da perda de privilégios. Em seu texto, mostrou na prática uma situação vivenciada. A imagem publicada é esta:

perder privilegios disciplina positiva

Aqui em casa gostamos muito da Criação com Apego e da Disciplina Positiva. Buscamos praticá-la com nossa filha porque acreditamos que é possível educar a criança com amor e firmeza, sem gritos, palmadas, castigos ou ameaças. No entanto, tendemos a ser um pouco críticos a tudo o que lemos, para não cair também na radicalidade e na adoção de teorias como se se tratasse de crenças religiosas.

Lembremos que as verdades absolutas não existem. Logo, devemos ser críticos e questionadores do que lemos e vemos. Acredito que através da Disciplina Positiva é possível promover uma cultura da paz. Mas, também vejo que algumas propostas da filosofia tendem a ser um tanto forçosas. Isso porque, algumas vezes, parece-me que se constroem eufemismos sobre os outros tipos de educação questionadas pela Disciplina Positiva: a educação permissiva e a educação autoritária.

Em outras palavras, a escolha de palavras mais leves podem mascarar uma continuidade de uma prática que já existe. No entanto que, por fazê-la um pouco de uma ou de outra maneira, podemos sentir-nos menos culpados de nossas ações.

Diante da leitura do texto e da imagem publicados, perguntei à Thais:

“Você não acha que a opção proposta pela Disciplina Positiva é uma ameaça velada? E o “perder o privilégio” é um castigo velado? Há vezes que me questiono até que ponto a Disciplina Positiva acaba tangenciando muita coisa da Disciplina Autoritária ao substituir os nomes por eufemismos. Por exemplo: “perder o privilégio” por “castigo”.

Minha dúvida partia do fato de que, ao ler as propostas de diálogo da imagem, tanto na Disciplina Autoritária como na Disciplina Positiva a criança tem uma consequência clara de seus atos. No caso, da educação autoritária, a criança é penalizada por jogar o brinquedo. E, na educação positiva, a criança é penalizada por não poder usar o brinquedo novamente.

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Autocontrole emocional do adulto

Thaís Basile, em resposta à minha provocação, afirmou:

A diferença é o estado de espírito do adulto, o que vai acabar resultando em vergonha pra criança mais a frustração do momento ou apenas a frustração do momento. Não podemos deixar a criança prejudicar o ambiente.

Concordo com a psicopedagoga no que diz respeito à necessidade de autocontrole do adulto cuidador. No entanto, acredito que também podemos manter um estado de espírito equilibrado ao dizer: “Se você jogar o brinquedo de novo, vai ficar de castigo!”. Essa é uma construção legítima do nosso idioma e o condicional o aplicamos em distintas situações. Aqui há claramente uma ameaça, mas o estado do espírito de quem o fala pode ser tranquilo ou histérico. Tudo depende do contexto em que se dá a situação.

Também, na aplicação da ferramenta da Disciplina Positiva, a perda do privilégio, o adulto tanto pode manter o controle emocional como não. Thais comentava em seu texto que, por atuar de maneira inadequada, teve que tirar a caneta da mão da criança. E tudo o fez desde um ponto de equilíbrio, sem gritos. Acrescentou uma reflexão muito interessante ao seu texto:

Muitas vezes precisaremos ser agentes de frustração dos nossos filhos, porém não precisamos adicionar a nossa raiva, não precisamos envergonhar nem punir nossos filhos apenas por sentirem coisas e não saberem 100% do tempo como agir. Educar é guiar, mas mais ainda, é se auto educar.

E de fato, se há uma autoeducação, se somos capazes de nos avaliarmos a nós mesmos para conseguir o controle emocional para lidar com situações limites, é possível agir sem o domínio da raiva. Mas, claro, somos humanos. Em algum momento, por distintas circunstâncias, podemos viver momentos de tensão e acabar atuando desde a raiva. E isso não nos fará maus pais ou culpados. A questão é que isso se dê uma ou outra vez. Outra é que o descontrole seja o habitual.

Isso tudo para chegar à conclusão de que o autocontrole emocional do adulto é importante, mas não me convence para os exemplos expostos. Sigo com a pulga atrás da orelha: “perder o privilégio” não será um eufemismo para “castigo”? Em ambos os casos, há um cerceamento de algo. A criança é impedida de seguir com uma ação que estava provocando uma situação de conflito.

Perder o privilégio e o castigo

Na mesma reflexão proposta, o perfil Quintal Ubatuba deu uma resposta que me convence mais, embora chego à conclusão de que a diferença é muito tênue entre perder o privilégio e o castigo.

A grande diferença é que, no castigo, a consequência ao comportamento da criança é punitiva e arbitrária (nada tem a ver com o que a criança está fazendo), do tipo: “desse jeito você vai ficar sem ver televisão” ou frustração que o valha. Nesse caso aqui o comportamento do adulto responde à ação da criança: “já que você não está conseguindo usar essa canetinha de um jeito respeitoso, vou precisar tirar da sua mão para que você não estrague o que não é seu”. Penso que, nesses casos, é interessante também poder dar uma oportunidade da criança poder mudar o comportamento: “quando você achar que consegue usar a canetinha de um jeito legal, me diga e eu te devolvo”.

Pareceu-me bastante interessante a colocação. De fato, é preciso colocar foco na conduta da criança, para que as consequências possam ser naturais. Jane Nelsen, no livro Disciplina Positiva, assim aborda o perder o privilégio:

Esse exemplo ilustra outra orientação muito proveitosa para compreender as consequências lógicas. As crianças precisam aprender que todo privilégio implica uma responsabilidade. Com essa compreensão, a fórmula é muito simples. Privilégio = responsabilidade. Falta de responsabilidade = perda do privilégio. Ter brinquedos é um privilégio. A responsabilidade que acompanha esse privilégio é cuidar dos brinquedos. A consequência lógica óbvia de não aceitar a responsabilidade de cuidar dos brinquedos é perder o privilégio de ter os brinquedos. A Sra. Silvester também demonstrou a eficácia de decidir o que ela faria, comunicando respeitosamente essa decisão aos filhos, e então executando o plano e fazendo o que disse que faria.

Uma tênue diferença entre o castigo e o cumprimento dos limites

Ainda, sobre essa tênue diferença entre perder o privilégio e castigos, Doris Marrero, coach familiar e educadora de pais e mães em Disciplina Positiva, explica que essa é uma dúvida frequente. Quando você leva seu filho embora do parque porque quer atravessar a rua sozinho. Não é um castigo?

Ela explica que, o fato de que os filhos tenham a perda dos privilégios podem ser vividas por eles como castigos ou não dependendo de vários fatores:

  • A forma como o perde.
  • A intenção com a que fazemos que o perca.
  • A crença que geramos na criança.

O tema é super interessante, mas o post já vai ficando um tanto extenso. Convido vocês a lerem o esclarecedor texto de Doris Marrero:

Disciplina Positiva

Através da Disciplina Positiva aprendemos a centrar-nos em potenciar habilidades em nossos filhos para que possam ser capazes de solucionar problemas por eles mesmos. Também reconhecemos que castigos físicos e psicológicos não são recursos que favoreçam a criar crianças com autonomia, responsáveis e independentes. Saiba mais:

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